terça-feira, 18 de outubro de 2016

As escolhidas (Las elegidas)

Há pouco mais de um século o movimento feminista vem ganhando força no mundo todo. Um século pode parecer muito, mas para combater milênios de opressão o movimento ainda tem muito trabalho pela frente, mesmo já tendo conquistas fundamentais para as mulheres.

Nos últimos anos a internet teve papel de peso nessa ascensão feminista. Com as redes sociais mulheres têm a oportunidade de compartilhar experiência com desconhecidas, tomando consciência de que muitas coisas consideradas normais só tem esse caráter devido à naturalização do machismo na sociedade.

Claro que como todo movimento que contesta uma ordem vigente, junto com sua ascensão crescem também as críticas, desde as mais diretas às relativizações aparentemente inocentes. Para uma indicação clara de que o machismo ainda é dominante, costuma ser suficiente a inversão de papéis. E se fosse um homem na situação em questão? – não basta uma exceção à regra. É comum que homens sejam explorados sexualmente sob a supervisão impiedosa de mulheres, que ganham a vida como cafetãs?

Essa é a realidade da família de Ulises (Oscar Torres). O pai e o irmão mais velho do jovem mantém uma casa de prostituição com garotas mantidas à força, sob a ameaça de castigos físicos contra elas e seus familiares. O método de escolha das meninas era sempre o mesmo, seduzi-las induzindo a um namoro até que quando se davam conta já era tarde para sair do prostíbulo.

Não bastasse a insegurança dos adolescentes diante de novos relacionamentos, com o desconforto de uma situação desconhecida minando as atitudes e comprometendo os resultados, Ulises sabia do destino que estava traçando à Sofia (Nancy Talamantes). O inusitado para um esquema repleto de insanidades é o fato de Ulises estar de fato apaixonado pela adolescente.

O diretor David Pablos mostra como o funcionamento do prostíbulo era protegido por várias frentes. A recusa de Ulises em entregar a moça não tinha nenhuma relevância frente ao pai e ao irmão. A polícia era conivente com o esquema, graças à propina, e isso escancara uma característica inerente aos preconceitos enraizados: eles não precisam da anuência das leis, pois de tão capilarizados na sociedade são tolerados muitas vezes até pelas próprias vítimas. Por fim, localizado em um bairro distante, o local era vigiado por vários homens, o que impossibilitava uma fuga de Sofia.

A única alternativa da menina estava também subjulgada ao universo masculino, pois o pai e o irmão de Ulises concordaram em libertá-la, desde que o jovem trouxesse outra menina para seu lugar. Difícil pensar em alguma atitude direta de Sofia para conseguir escapar. Uma vítima de catorze anos, cercada por uma estrutura de dominação muito organizada e forte.

Não é somente a situação de Sofia e das demais jovens que incomoda. Ao longo do filme começamos a pensar em uma alternativa que possa colocar fim ao esquema criminoso que converge uma série de crimes para um ponto específico. Será que nos esforçamos para desenvolver uma sociedade regulamentada por leis e instituições de fachada, que oferecem brechas para que a quadrilha que mantém o prostíbulo não seja desfeita e seus integrantes detidos?

Infelizmente parece que a cereja contaminada que dá o toque final a este bolo amargo é a condescendência dos frequentadores do local. Talvez seja um argumento frágil utilizar a lei de mercado que diz que não há oferta se não houver demanda, mas quando o sexo é mercantilizado e explorado como uma mão de obra escrava parece que essa alternativa insana é a chave para toda a situação.

Ainda que a exploração fosse de alguma forma denunciada para um policial que não participasse do esquema, se em casos explícitos de estupro existe a tendência machista de culpar a vítima questionando suas roupas ou a falta de companhia, o que dizer de meninas que, em tese, são pagas pelo que estão fazendo. Ainda que seja uma falácia, devemos lembrar que uma sociedade que culpabiliza a vítima de um estupro não prima pelo bom senso.

No filme, Ulisses demora um pouco para encontrar uma jovem que possa ser trocada por Sofia, nesse escambo tão rudimentar que não se trata nem de comercializar o sexo, mas as mulheres mesmo. Após uma cena um pouco confusa, em que uma tentativa de fuga por parte de Sofia parece não ser concluída, fica a dúvida: depois de ter vivido uma experiência tão traumática e ter criado empatia com algumas jovens do prostíbulo, como levar a vida adiante?


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