terça-feira, 3 de junho de 2014

7 Caixas (7 Cajas)

O protagonista do filme de maior destaque do cinema paraguaio é Vitor (Celso Franco), um jovem de 17 anos que trabalha como carregador no Mercado 4. Em meio às vielas cobertas precariamente com lonas e divisórias improvisadas com caixotes de madeira, o garoto é um dos que passam o dia a procura de compras para carregar e conseguir algum trocado.

Os diretores Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori dão à história daquele que poderia ser apenas mais um carregador uma intrincada rede de problemas, expondo vários absurdos naturalizados por uma sociedade habituada a viver da maneira retratada.

Para os que passam o dia no mercado, independente de qual seja a função, o cotidiano é hostil, competitivo e violento. Não obstante, Vitor se encanta com um celular com câmera, que passa a ser seu sonho de consumo. Racionalmente o objeto não faria nenhuma diferença em sua vida. Não haveria muito que filmar, tão pouco muitas ligações a fazer ou receber.

Ao olharmos para alguém que julgamos precisar de outros bens, mas dá preferência para algo aparentemente inútil, costumamos cometer o erro de não olhar para nossas próprias compras ou desejos. Imersos em um sistema capitalista, somos induzidos o tempo todo a comprar algo que não precisamos, mas que aparentemente nos dará status, respeito, aparência, etc.

Com a ideia fixa de ter um aparelho celular, Vitor aceita um bico de transportar sete caixas pelo mercado, sem saber qual o conteúdo e sem um destino certo. Ele apenas receberia uma ligação em um celular emprestado e teria as instruções. Para o serviço aparentemente simples receberia cem dólares.

Misturando ainda mais nossa noção de certo e errado há o personagem Nelson (Víctor Sosa), que também é carregador e não tem dinheiro para comprar remédio para o filho. Costuma ser tolerável que um pai não meça esforços para cuidar da saúde do filho e isso faria com que déssemos preferência a Nelson no lugar de Vitor. Porém os personagens são construídos de forma invertida.

O conteúdo das caixas demora a ser revelado (e não será revelado aqui), mas desde o começo fica evidente que se trata de algo proibido. A partir daí a imagem de Vitor é construída como a de um menino explorado, que tenta a todo custo driblar os perigos que o cercam e realizar seu objetivo. Enquanto isso Nelson lidera um grupo que não medirá esforços para conseguir as sete caixas e, de alguma forma, transformá-las em dinheiro.

Talvez pela cena em que Nelson não consegue comprar remédio na farmácia ser muito curta, isso acaba tendo pouco peso ao longo do filme, contribuindo para a montagem de uma falsa dicotomia entre bem e mal, onde o agora herói Vitor luta ao lado de poucas personagens contra todo o resto que, cada um a sua maneira, promove trapaças e ilegalidades para ter alguma vantagem.

O desenrolar da história mostra uma trama bem amarrada e desenvolvida, com crimes, elementos policiais, amores e desavenças, mas diferente das grandes produções hollywoodianas, aqui a história acontece no submundo, onde o cotidiano dos personagens, mesmo sem o cerne do enredo, já seria o de luta pela sobrevivência em um mundo hostil.

Alguns momentos cômicos do filme vêm exatamente das paródias criadas com base de conteúdo consagrado em clássicos policiais, devidamente adaptadas ao cenário do mercado. O fato de o enredo ser verossímil pode indicar certas semelhanças sociais entre países distintos, porém os grandes filmes policiais costumam mostrar os protagonistas em um episódio de exceção em seus cotidianos. Em Sete Caixas a impressão é que aquele é o cotidiano.

Excluindo as tais caixas e toda a confusão que elas proporcionaram, o que o mercado de Assunção tem a mostrar? Os mesmos carregadores que trabalham desde cedo levando mercadorias pelas vielas, os policiais facilmente subornados, um ambiente hostil em que as pessoas vivem tensas, comida de baixa qualidade, trabalho mal remunerado, etc.

Uma estrutura social tão precária e condições de vida tão duras não justificam atitudes ilegais, mas ao menos nos colocam em uma posição muito mais desconfortável ao tentar julgar o comportamento de alguns personagens. Podemos saber o preço de um remédio, mas seu valor só pode ser dado pelo pai que precisa compra-lo ao filho.

Menos relevante, um celular de cem dólares pode não despertar grandes sentimentos para quem vive cercado de tecnologia, porém o impacto sobre um adolescente que vive para trabalhar e comprar comida é distinto e um simples aparelho com câmera pode se tornar um desejo de consumo dos mais irresistíveis. 


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