terça-feira, 11 de março de 2014

Flores Raras

Fazer um filme sobre duas personalidades de destaque em suas áreas tem seus prós e contras. Por um lado há um rico material produzido pelas artistas, a ser trabalhado nas telas, por outro sempre existe o risco deste material ser mal trabalhado. O diretor Bruno Barreto tem o mérito de utilizar bem as obras originais, para criar um filme biográfico com enredo fluente.

É interessante que os versos de Elizabeth Bishop (Miranda Otto) ou os traços de Lota de Macedo Soares (Glória Pires) separadamente já renderiam bons filmes, porém a união de ambas, com a inspiração mútua de cada trabalho, é o tempero que torna a história ainda mais chamativa.

A poeta norte americana chega ao Brasil em busca de inspiração e o primeiro contato não confirma as expectativas. Uma personalidade introvertida e habituada ao relacionamento mais distante de países anglo-saxônicos costuma se sentir bastante deslocada com o primeiro contato caloroso dos latinos.

Passada a primeira impressão, que nem sempre é a que fica, tanto o amor de Lota quanto a exuberância da flora fluminense fizeram com que desabrochasse em Elizabeth um dos grandes talentos literários do séc. XX. Antes de sua viagem um amigo americano alertou para o fato de uma viagem não permitir que escapemos de nós mesmos. O conselho é válido, mas falho.

De fato muitos tentam fazer uma viagem quando a vida parece não oferecer alternativas, porém depois de um período ausente, dure o tempo que durar, os velhos problemas costumam nos recepcionar com as mesmas flores murchas que deixamos para trás. A particularidade é que Elizabeth tem uma profissão muito singular, que muitas vezes precisa ser alimentada com novos ares para que possa condensar em poucas palavras uma vasta e confusa mistura de sentimentos.

Já Lota, uma arquiteta autodidata, se inspira na natureza ao seu redor, desenhando a própria casa em harmonia com a mata tropical que a cerca. As personalidades aparentemente conflitantes passaram a se completar da melhor forma possível, em um relacionamento que a despeito dos desentendimentos conseguia estimular e extrair o que cada uma tinha de mais profundo.

Como a vida é complexa e insuficiente, talento e amor não bastam. É claro que o filme é uma obra baseada na história de Elisabeth e Lota, nem tudo o que é mostrado aconteceu exatamente daquela maneira, porém o desdobramento de um relacionamento de mais de dez anos inevitavelmente traz desavenças, que nem sempre são bem trabalhadas pelo casal.

Voltando ao ponto de se tratar de duas pessoas que trabalham com criação artística, cada uma em sua área, não é difícil imaginar que a rotina de um relacionamento longo tenha efeitos colaterais. Antes de artistas, são pessoas que também agem por impulso, por interesse e muitas vezes cometem deslizes.

Quando estamos dispostos a compartilhar nossa vida, incluindo não só os bons momentos, mas por vezes nosso pior lado, que todos temos e por vezes se torna incontrolável, vivemos grandes momentos, que servem de inspiração e motivação. Evidentemente que também passamos por crises muitas vezes difíceis de serem solucionadas.

Como vemos no filme, os entraves de um relacionamento podem se tornar ainda mais sérios com a presença de egos insuflados pela fama, tanto da escritora quanto da arquiteta. Não se trata de fim do amor, na verdade o problema é até mais simples, porém mais difícil de ser contornado. Em geral, com o tempo, os caminhos que até então seguiam paralelos passam a se afastar, nenhum dos dois quer ceder e abrir mão ou de uma oportunidade ou do amor.

A maturidade de aceitar a necessidade de um afastamento temporário é mais difícil do que parece, ao menos quando se está vivendo a situação. Teoricamente é simples, basta que o casal aceite uma breve separação e trabalhe para que os caminhos voltem a estar em paralelo. Na prática, talvez até pela falta do amor que inspirava, mesmo após essa inspiração contínua ter se tornado banal com o tempo, essa simplicidade desaparece.

Diferente da maioria dos casais, Elizabeth e Lota deixaram marcas profundas por onde passaram. Tanto como casal quanto como artistas, podem ser admiradas pela determinação e atitudes inovadoras. É uma pena que cinquenta anos mais tarde algumas pessoas ainda deem mais valor para a orientação sexual do que para as obras excepcionais que ambas deixaram, principalmente o livro ‘North & South’, que rendeu à Elizabeth o prêmio Pulitzer, e o Parque do Flamengo, projetado por Lota e admirado até hoje no Rio de Janeiro.



Um comentário:

Anônimo disse...

Olá,

Muito bom o artigo parabéns.


Site ótimo para assistir filmes também e

www.youtubefilmes.com

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