terça-feira, 5 de junho de 2012

Paraísos Artificiais


Com este longa o diretor Marcos Prado traz para as telas um tema bastante complexo, sobretudo pela falta de informação correta a respeito. O consumo de drogas sintéticas segue como tema proibido, de forma que o conhecimento que poderia auxiliar no discernimento sobre o consumo ou não das substâncias segue oculto na sociedade, que insiste em encarar todas as drogas da mesma forma, sem sequer saber ao certo quais os efeitos e malefícios de cada uma.

O roteiro demora um pouco para engrenar. O filme começa com alguns elementos desconexos para mostrar o romance da DJ Érika (Nathalia Dill) com Lara (Lívia de Bueno), e entre alguns flashbacks e momentos presentes vemos Nando (Luca Bianchi), que de alguma forma ronda a vida das duas. Mesmo com a história entrecortada, o início do filme tem longas cenas de raves, que apesar das belas paisagens litorâneas, não chegam a empolgar muito. É na segunda parte, quando as histórias começam a ser costuradas, que o filme começa a ganhar ritmo.

Mais que o enredo que guia o filme, ou seja, a história entrelaçada dos protagonistas, que forma uma trama interessante, o longa abre espaço para uma rica discussão sobre a forma como as drogas, sobretudo as sintéticas, são tratadas na sociedade, e geralmente de forma bastante negligente.

O filósofo Michel Foucault escreveu sobre a história da sexualidade, investigando o comportamento histórico para desvendar os motivos que levam o tema a ser encarado com tanto tabu. Apenas para citar alguns tópicos, Foucault atribui a repressão sexual a alguns fatores econômicos, visto que para jornadas de trabalho que duravam quase vinte horas era importante que os trabalhadores não gastassem energia com mais nada. Aos poucos a interdição da sexualidade propiciou sua mercantilização, gerando lucro de diversas formas, tanto com a produção de material voltado para o tema, quanto com a criação da necessidade de apoio psicológico, para quem não conseguia controlar um desejo que supostamente deveria ser reprimido.

Fazendo um paralelo com o consumo de drogas, evidentemente restrito dado ao caráter instintivo da sexualidade, ainda que Foucault tenha apontado sua construção social, vemos no filme personagens jovens, que vivem nas festas e sem o menor compromisso com uma vida regrada e economicamente produtiva. Condiz com a preocupação de poupar energia dos trabalhadores do séc. XVIII, através da interdição sexual, as consequências do consumo de drogas que podem comprometer a força produtiva da população.

O desdobramento da proibição das drogas tem o potencial de criar um mercado paralelo, não apenas dos entorpecentes em si, mas também através de clínicas de recuperação, auxílio psicológico, combate ao tráfico, campanhas preventivas e uma série de outros processos, que somados movimentam grande quantidade de dinheiro, gerando uma verdadeira cadeia produtiva, economicamente invejada por boa parte dos produtores e comerciantes.

Toda essa pressão voltada para criminalizar o consumo de boa parte das drogas tem, entre outras, duas consequências fundamentais. Uma delas é, a exemplo da repressão sexual estudada por Foucault, a vontade de saber, ou seja, inevitavelmente cria-se uma curiosidade em relação aquilo que é proibido de forma negligente, sem muitas explicações e geralmente de maneira equivocada. Ao descobrir empiricamente que as consequências do uso de drogas podem não ser tão dramaticamente exacerbadas quanto à imagem socialmente criada, uma rede de usuários passa a criar uma contra imagem sedutora e atraente para aqueles que nunca utilizaram drogas.

A outra consequência é que a proibição implica em silêncio, e este em falta de conhecimento. Há uma infinidade de drogas sintéticas, cada uma com efeitos, consequências e dosagem particulares. Partindo do princípio que a simples proibição vem se mostrando historicamente insuficiente para coibir o consumo de entorpecentes, seria muito mais seguro explicar detalhadamente as características das novas drogas – sem a ideia absurda de que isso estimularia o consumo – do que vender a falsa imagem que a realidade muitas vezes desconstrói e deslegitima.

O próprio filme em questão corrobora a ineficiência da atual postura social diante de entorpecentes, já que, generalizando para não revelar detalhes do final da trama, mostra os perigos que evidentemente existem em relação ao consumo de substâncias potencialmente letais, mas também mostra que muitos dos riscos vêm da falta de conhecimento e que o consumo não é necessariamente um poço sem fundo rumo ao inferno.


2 comentários:

Isabela disse...

Parabéns! Não foi bem uma crítica ao filme, mas - comparando a tudo que li relacionado ao mesmo - esse foi o melhor texto em conteúdo e ideais que encontrei.

Alexandre disse...

Obrigado pela visita. Que bom que gostou! (o filme fica nas entrelinhas ;)

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