quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Tapete Vermelho

Neste trabalho o diretor Luiz Alberto Pereira apresenta uma comédia que a princípio é descompromissada e garante boas risadas, passando aos poucos a tocar em temas interessantes, sem abandonar o lado lúdico que prende e diverte o público. Destaque para a atuação de Matheus Nachtergaele dando vida ao caipira Quinzinho, que para cumprir uma promessa feita ao pai precisa levar seu filho Neco (Vinícius Miranda) para ver um filme do Mazzaropi no cinema. Sua esposa Zulmira (Gorete Milagres) não gosta da ideia, mas sem opção acompanha a família na busca de um cinema, junto com o burro Policarpo que carrega a bagagem.

1 – Na viagem que conduz o enredo o que fica evidente já nos primeiros passos são as particularidades da vida rural. A hospitalidade com que a família é acolhida facilita a viagem enquanto ainda estão próximos de casa, notamos que é forte a religiosidade e a crença no poder das orações de benzedeiras, tanto para as pessoas quanto para problemas com os animais. Misticismo a parte, as histórias narradas podem ser novidade para alguns, mas são bem conhecidas em cidades do interior, como a cobra que rouba leite, o demônio que aparece a noite, a simpatia para tocar viola, etc.

2 – Aos poucos, conforme o público entra no clima de simpatia e simplicidade de Quinzinho, questões relativas às injustiças do trabalho, com ênfase na área rural, são colocadas. Alguns monólogos indicam como o trabalho duro de alguns trabalhadores são mal recompensados e, através de Mané Charreteiro (Ailton Graça), o diretor coloca de forma bastante didática como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra luta por uma reforma há tanto tempo necessária no país. Longe de ser panfletário, o filme apenas mostra os trabalhadores rurais lutando pela partilha da terra, consequentemente recusando-se a virarem mão-de-obra barata, ou desempregados em zonas urbanas.

3 – A cidade grande também é retratada. Apesar dos estereótipos carregados ao mostrar o homem do campo, bastante inocente, chegando a um território onde o mais esperto sobrevive não se trata de maniqueísmo entre o campo e a cidade, apenas o choque cultural e a dificuldade de adaptação dos que estão acostumados com um ritmo de vida bem menos frenético. Dialoga com a necessidade de reforma agrária, pois enfrentar os problemas urbanos pode não ser opção, mas imposição a quem vê seu espaço no campo tomado por latifundiários.

4 – Evidentemente outra questão importante do filme é o papel do cinema na sociedade e a quantidade de salas de exibição nas cidades. É de se esperar que assistir a um filme do Mazzaropi em um cinema atualmente seja quase impossível, mas a dificuldade de Quinzinho já começa em encontrar uma sala de cinema no interior. A busca segue rumo a cidades maiores, porém mesmo em São Paulo as surpresas desagradáveis não param, e continuam mesmo fora da ficção, já que os cinemas que fecham, cedendo espaço para empreendimentos mais lucrativos, são encontrados em várias cidades do país. Vi o filme no Cine Belas Artes, mais um na mira da especulação imobiliária cuja salvação está baseada na tentativa de tombamento, e a sala retratada no longa fica no centro de São Paulo, que tem oito antigos cinemas tombados que simplesmente faliram. Pode parecer contradição exaltar cinemas e a seguir indicar a falência dos mesmos, mas o funcionamento das salas depende de um conjunto de fatores diversos – culturais, econômicos, logísticos, etc. – que devem ser levados em conta. As salas de cinema vêm sendo substituídas por empreendimentos mais lucrativos, mas há como transformar cultura em números? A satisfação de uma promessa cumprida e o deslumbramento de quem entra no cinema pela primeira vez indicam que não.

 É desta forma, com temas profundos nas entrelinhas do humor, que acompanhamos a saga da família de Quinzinho, que resgata traços do humor caipira do inigualável Mazzaropi.



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